Opinião (15/05/2008)
Os jornais e o fim do mundo
Para além da repercussão que suas páginas ecoam nos mais diversos tipos de leitores, acho gratificante escrever no Diário da Manhã porque a paga é maior que a de qualquer outro órgão da imprensa brasileira.
Aqui, é a liberdade que nos é oferecida em contrapartida ao ato de escrever e ler. Ela é praticada até as últimas conseqüências, por ambos os lados: seja a liberdade do articulista que traz a público suas idéias, seja a do jornal que as respeita e as veicula. Não poderia ser diferente, haja vista a própria história deste jornal e a sua presença na ampla história goiana.
Portanto, tem sido assim que, como conseqüência pessoal, tenho trazido aqui não apenas minhas idéias, por vezes vagas e estapafúrdias, mas também algumas denúncias, sejam elas na área pública, em geral, ou na área cultural, especificamente.
Durante este tempo como articulista que, despretensiosamente, já vai reunindo uma meia centena de artigos, aprendi a não hesitar em apontar o que acho errado, mesmo que isso me custe ir contra amigos e companheiros ou quem assim esperava que fosse.
Devo confessar, contudo, que a sensação que tenho agora é que me iludia ao esperar que este esforço cívico à custa do sacrifício de certos relacionamentos viesse a apresentar alguns resultados práticos, se não a mim, ao menos à sociedade, que se veria melhorada a partir das referidas áreas específicas das minhas frustradas denúncias.
A maior dessas frustrações diz respeito ao mau cheiro que exalara descaradamente da Secretaria Municipal de Cultura. Tanto assim que foi exatamente este o título do artigo, aqui publicado alguns meses atrás e que trazia meu espanto diante do apoderamento por interesses privados daquele órgão da prefeitura.A coisa chegara a tal ponto que um seu diretor se via beneficiado seis vezes, simultaneamente, pelo resultado de um edital que tratava da distribuição de algo em torno de R$ 1,5 milhão de reais. O resultado do artigo foi muito tititi e, ao contrário do que se esperava, nada de ação ou sequer de explicação. Seja por parte do seu superior imediato, que na certa tinha lá seus interesses, seja por parte do próprio prefeito, que talvez pela falta de tempo para ler pequenos artigos nos jornais, tenha deixado passar essa oportunidade de enquadrar seus subordinados, tal como fora feito exemplarmente em tantas outras ocasiões ao longo de sua brilhante história como político e administrador.
E o motivo pelo qual me vêm essas lembranças jornaleiras é saber pela imprensa que, como conseqüência das denúncias, não só nada foi feito, inclusive pelo Ministério Público, como o protagonista principal foi agora premiado com a mais alta promoção possível naquela Casa do Povo, ascendendo ao posto de secretário.
Contra esse senhor, agora mui digníssimo secretário, nada tenho de pessoal, só mesmo de social e coletivo, contagiado pelas aspirações de uma enorme legião que produz dignamente sua arte e espera que ela seja de alguma maneira respaldada por uma política cultural, que afinal nunca se apresentou nessa administração.
E diga-se de passagem: as denúncias às quais me refiro foram posteriormente registradas por repórteres e outros jornalistas da imprensa goiana. Ou seja, vieram à luz em outras ocasiões. E nada, repito, absolutamente nada foi feito. Da parte do então secretário, ouviu-se a respeito tão-somente um enorme e estratégico silêncio.
E da parte do prefeito, bem, já dissemos, ele não tem tempo para ler as folhas da cultura na imprensa goiana. Só pode ser esse o motivo.Mas daí, da sutil indiferença, a distinguir o feitor destinando-o para um posto decisivo e de grande visibilidade em sua administração, há um passo demasiadamente largo e que é preciso que seja reconsiderado, a tempo. De outra forma, senhores, de nada adiantaria a liberdade de um jornal, sempre arriscada a desagradar aos poderosos; de nada adiantaria o desprendimento de articulistas sérios e comedidos; de nada adiantaria o espanto diante das coisas que percebemos injustas; e de nada adiantaria nossa indignação, que é a última trincheira da fé pública.
Ou então o mundo e essa prefeitura é assim mesmo e só eu que ainda não percebi?
PX Silveira é vice-presidente do Instituto Pensarte e coordenador do Porto das Artes
Fonte: Goiânia, 15 de maio de 2008, quinta-feira, edição nº 7496 DM - OPINIÃO
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