quinta-feira, maio 22, 2008

CASA COR E A CADEIA.

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CASA COR E A CADEIA.

DM – Opinião (20/05/08)
http://v5.dm.com.br/opiniao/a_casa_cor_e_a_cadeia
Previno àqueles leitores que este artigo não tem nada a ver com o anterior em que denunciava manobras em benefício próprio do atual secretário municipal de Cultura e sugeria ao prefeito da cidade de Goiânia uma resposta à sociedade que ainda não foi dada. Não, senhores, não sou nenhum justiceiro. Esse artigo de agora trata de simples amenidades. Para os que as desejam, vamos a elas.Tem dias que não dá para segurar.

Viver em Goiânia pede não se assustar com as exceções da civilização e ser complacente com os amigos, especialmente os poetas, artistas, escritores e arquitetos. Todos mergulhados a fundo no diuturno complô da mediocridade. O mecanismo é simplório e fácil de aprender, funciona assim: não fale de mim que eu não falo de você. Seu livro é ótimo. Vai no meu coquetel que eu vou no seu. O cd dele é muito bom. Excelente atuação. Seus quadros são maravilhosos. Arrasou, hein.... Hajam penas. Pena de pavão e pena de dó. É assim, de elogio sobre elogio, que se constrói entre nós, com muito orgulho, a portentosa e invisível catedral da mediocridade, instalada no centro das atenções dos que são capazes de nos ver de fora. A conseqüência é gravíssima. O clima de cumplicidade vai se dissimulando e insuflando falsos brios nos desavisados a ponto de chegar o dia em que, todos em silêncio, vemos o amigo passar nu, a caminho da Academia que, enfim, lhe renderá a imortalidade.

Não que esteja acima de qualquer suspeita, mas devo me confessar um pária voluntário deste sistema, alguém que ainda consegue refúgio nas novas gerações. Novas, porém movediças. Estas também, com o passar do tempo, aos poucos e sucessivamente vão sendo carcomidas e envelhecidas em seu íntimo. Fazer o quê? O consolo é que sempre aparece outra e depois outra, para alimentar a caldeira da esperança. Mas Deus é mesmo cruel.

Expõe na carne e no espírito dos homens a verdade que eles querem ocultar para si mesmo e para o espelho da sociedade. E somos todos, na melhor das hipóteses, uns idiotas filosofais. Não só os goianos, vale dizer. E aí que vem o pior, pois saber disso nos acomoda e faz acelerar ainda mais fundo na descida.Decadência com elegância, já diziam gostosamente os filósofos franceses pré-Lobão com sua música Decadance avec Elegance, aliás, apresso-me a dizer: uma muito linda música!

Aqui, o filósofo a que recorro é o misterioso Dom Escuro, da Campininha, ouvindo-o dizer que em Goiás só tem estrelas. Se quisermos bandidos, temos que mandar buscar em Hollywood.Hajam palmas. Como corolário merecido do nosso complô da mediocridade, bate-se palmas todos os anos para a Casa Cor, uma juntada de propostas comerciais travestidas de soluções de se morar e se viver bem. No meu entender secular, este evento tão chique é apenas uma recorrência à gordura amanhecida para se fritar o pastel de hoje e, verdade seja acrescida, é um luxuoso tributo ao carbono (control c, para os entendidos).

Na Casa Cor de todos os anos deleitam-se, por ordem de entrada, os novos ricos, alguns desavisados e os que gostam mesmo de serem enganados. Vão, todos, absorvendo na íntegra e rapidamente reproduzindo as regras que os credenciarão a serem os mais isso e mais aquilo, expondo o extremo bom gosto enlatado.Em relação aos advogados de porta de cadeia, os arquitetos casa-coristas não inovam em coisa alguma, pois os são de porta de lojas. Apenas mais ousados e mais vaidosos. E não sou eu quem diz. Espalhadas em cartazes, night and days e outdoors pela cidade, sejam nas imediações e mesmo, ostensivamente, nas portas das lojas de móveis e decorações; as fotos de muitos deles estão como isca na pescaria da clientela desinformada e insegura que lhes é cativa na ceva.

O mundo que estes ditos arquitetos inventam e os valores que eles invertem chegam a tal ponto que hoje a legítima pretendente a moradora esclarecida não compra sequer uma almofada sem ouvir o seu.... arquiteto. E estes, despejados de suas faculdades todos os anos em um mercado sem parâmetros criativos que lhe sejam próprios, há muito deixaram de ser os das grandes linhas e das soluções contextuais para se tornarem meros decoradores de tijolos, impingindo no freguês o gosto alheio, acrescido de seus 10% de tudo, é claro. Está aí a Casa Cor, em sua enésima edição, que não me deixa mentir. Comprove. A visitação vai até o final do mês, penso eu.

Vá e veja como os arquitetos de hoje competem, entre si, para ser apenas os geniais decoradores de interior (ou seria do interior?), numa acirrada disputa de mercado que, de certo, apenas alijou do processo os outrora humildes profissionais das combinações de cores, móveis e almofadas.

É claro que temos exceções na nossa incipiente arquitetura, que aliás, também apresso-me a dizer, é gloriosa! Estes, não são achados facilmente. Estão a quilômetros de distância da cadeia do gosto maquiado (e do desgosto do dia seguinte) de que a Casa Cor é somente a parte mais visível.E para que a gente não saia por aí dando tapas na cabeça por sermos os goianos nos mares desta e de outras mediocridades, aqui vai mais um consolo.

A Casa Cor é uma espécie de franchising nacional e acontece tal e qual em praticamente todas as praças onde há os ditos arquitetos ávidos por clientela-novista e, em contrapartida, as pessoas inseguras que não sabem bem como gastar o dinheiro que têm.Decididamente, para parecer ainda mais cruel, acho que Deus está dando asas às cobras.

PX Silveira é documentarista e autor de Arquitetura do Espelho

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