sábado, setembro 20, 2008

HISTÓRIA DO BEBÊ GUERRILHEIRO


MA­TE­MÁ­TI­CA MA­LU­CA

His­to­ri­nha do be­bê guer­ri­lhei­ro


A candidata à vereadora Tatiana Lemos, de 28 anos, não pode ter nascido "em plena selva amazônica", como diz na campanha. No ano de seu nascimento, Isaura Lemos era demitida em São Paulo, e a guerrilha, que seus pais não participaram, já havia acabado. 1979 foi o ano da anistia HA­MIL­TON CAR­VA­LHO - Es­pe­ci­al pa­ra o Jor­nal Op­ção


Cer­ta vez, por jo­ga­da ge­ni­al dos pa­is, em­pre­sá­ria do ra­mo de bi­ju­te­rias "de lu­xe" foi lan­ça­da can­di­da­ta a ve­re­a­do­ra em Go­i­â­nia. Co­mo não ti­nha, de­pois de nas­ci­da, cur­rí­cu­lo con­sis­ten­te pa­ra apre­sen­tar aos elei­to­res, des­co­briu-se pa­ra ela uma tra­je­tó­ria de lu­ta na bar­ri­ga da mãe: nas­ceu "em ple­na ma­ta ama­zô­ni­ca" quan­do os pa­is, bra­vos com­ba­ten­tes as­sim meio que An­dré Gra­bois e Cri­méia Schmidt [da Guer­ri­lha do Ara­gu­aia], or­ga­ni­za­vam nú­cle­os guer­ri­lhei­ros con­tra o re­gi­me mi­li­tar.
O que não foi di­to — pe­lo me­nos não foi di­to com cla­re­za — é se a me­ni­na, bem ao jei­to de Ma­cu­naí­ma, sal­tou do ven­tre ma­ter­no já fa­zen­do es­tri­pu­li­as pe­la ma­ta. Co­mo fic­ção, is­so cai bem. O au­tor po­de­ria fa­zer qual­quer coi­sa no es­ti­lo do por­tu­ga Zé Sa­ra­ma­go ("Jan­ga­da de Pe­dra") ou mes­mo no do bra­si­lei­ro Cam­pos de Car­va­lho ("A Lua Vem da Ásia"): po­de­ria tran­spor­tar os vas­tos se­rin­gais, não das cer­ca­ni­as do Ama­zo­nas, co­mo diz a can­ção, mas da "ple­na ma­ta ama­zô­ni­ca", pa­ra aque­la re­gi­ão que fi­ca en­tre Jun­di­aí e Cam­pi­nas, no Es­ta­do de São Pau­lo.
Quan­to à da­ta, tam­bém pou­co im­por­ta: a Guer­ri­lha do Ara­gu­aia, di­ri­gi­da pe­la pa­cí­fi­ca e igre­jei­ra Ação Po­pu­lar, bem que po­de­ria ter si­do (aqui é pre­ci­so cui­da­do e abun­dân­cia de ver­bos), bem que po­de­ria ter si­do pre­pa­ra­da a par­tir de 1979 e não a par­tir de 1966, em­bo­ra al­guém pu­des­se con­si­de­rar lu­ta ar­ma­da em 1979 uma coi­sa de lou­co, re­be­li­ão de hos­pí­cio — ain­da por ci­ma "em ple­na ma­ta ama­zô­ni­ca" e no ano da Anis­tia.
E não há re­le­vân­cia, do pon­to de vis­ta fic­cio­nal, se a AP já não exis­tis­se em 1979 e se a guer­ri­lha ti­ves­se si­do di­ri­gi­da pe­lo par­ti­do de Jo­ão Ama­zo­nas, aque­le par­ti­do re­or­ga­ni­za­do em 18 de fe­ve­rei­ro de 1962.
Mas. Res­pei­to e me­mó­ria — Per­to de qua­tro anos atrás en­vi­ei men­sa­gem ao por­tal Ver­me­lho, do PCdoB, cha­man­do aten­ção pa­ra do­cu­men­to di­vul­ga­do em si­te da As­sem­bléia Le­gis­la­ti­va de Go­i­ás no qual a de­pu­ta­da Isau­ra Le­mos (PDT) afir­ma que, jun­ta­men­te com o ma­ri­do, par­ti­ci­pa­ra da or­ga­ni­za­ção de nú­cle­os guer­ri­lhei­ros na Ama­zô­nia. (Ago­ra, en­tra um be­bê na his­tó­ria...)
Enor­me fal­ta de res­pei­to pa­ra com a me­mó­ria dos va­lo­ro­sos com­ba­ten­tes que mor­re­ram na sel­va, lu­tan­do com des­pren­di­men­to, no ano­ni­ma­to, iden­ti­fi­can­do-se com no­mes fri­os, sem es­pe­rar re­com­pen­sa que não fos­se a vi­tó­ria da cau­sa que abra­ça­ram. Pe­di ao Ver­me­lho que não pu­bli­cas­se a men­sa­gem, pois era, na ver­da­de, uma ten­ta­ti­va que eu fa­zia pa­ra en­trar em con­ta­to com a di­re­ção na­ci­o­nal do PCdoB.
Ha­via, na épo­ca, co­men­tá­rios de que o par­ti­do es­ta­ria pre­pa­ran­do "a vol­ta" de Eu­ler Ivo e Isau­ra (tal­vez ao som da voz de Nél­son Gon­çal­ves?). Coi­sa mui­to es­tra­nha, de­pois do es­tra­go que o ca­sal fez aqui, po­lí­ti­ca e ide­o­lo­gi­ca­men­te.
Em 2006, o pró­prio Eu­ler me ga­ran­ti­ria (sem que eu per­gun­tas­se) que "a di­re­ção na­ci­o­nal" vi­nha in­sis­tin­do pa­ra que ele vol­tas­se ao par­ti­do. Não ob­ti­ve con­fir­ma­ção do fa­to. Por­tan­to, vol­tan­do aos nú­cle­os da Isau­ra, a his­to­ri­nha do be­bê guer­ri­lhei­ro dei­xa de ser fic­ção: é men­ti­ra mes­mo.
O que me es­pan­ta é que nin­guém se lem­brou de usar um pou­qui­nho de arit­mé­ti­ca a pro­pó­si­to do con­te­ú­do da cam­pa­nha elei­to­ral da can­di­da­ta Ta­ti­a­na Le­mos, cam­pa­nha ve­i­cu­la­da, de for­ma en­ga­no­sa, pe­la te­le­vi­são e pe­lo rá­dio.
Vi, me­xen­do na in­ter­net, que He­le­ni­ra Ta­ti­a­na Le­mos Vi­ei­ra tem 28 anos de ida­de. Se é as­sim, ela só po­de ter nas­ci­do em 1980 ou fins de 1979. A pró­pria mãe, no si­te da As­sem­bléia aci­ma ci­ta­do ou em ou­tro lu­gar pa­ra on­de o Go­o­gle me le­vou, diz que em 1979, no in­te­ri­or de São Pau­lo, foi de­mi­ti­da de de­ter­mi­na­do em­pre­go "mes­mo grá­vi­da". Grá­vi­da de quem? Só po­de ter si­do de Ta­ti­a­na.
A de­pu­ta­da Isau­ra de­cla­ra ain­da que veio pa­ra Go­i­ás "lo­go após" o nas­ci­men­to da se­gun­da fi­lha, Maí­ra, ho­je com 26 anos. Is­to, pe­lo me­nos, é ver­da­de, mas só é ver­da­de quan­do se diz que, nes­sa épo­ca, após o nas­ci­men­to de Maí­ra, Isau­ra veio pa­ra mo­rar em Go­i­â­nia. Ela ti­nha vin­do an­tes, vi­si­tar Eu­ler, que es­ta­va aqui ha­via já al­gum tem­po, hos­pe­da­do na ca­sa dos pa­is e fa­zen­do dis­tri­bu­ir o nú­me­ro ze­ro da "Tri­bu­na da Lu­ta Ope­rá­ria", sem, no en­tan­to, ex­por-se pu­bli­ca­men­te. (O pri­mei­ro "tri­bu­nei­ro" de Go­i­ás foi uma ga­ro­ta de 17 anos cha­ma­da Es­ter.) Jo­ão Car­los Schmidt Gra­bois tem 35 anos. Ele não nas­ceu na sel­va ama­zô­ni­ca. O PCdoB, em ope­ra­ção com­ple­xa e de al­to ris­co, pro­vi­den­ci­ou pa­ra que Cri­méia fos­se re­ti­ra­da da área con­fla­gra­da. Foi de­ci­são de res­pon­sa­bi­li­da­de pa­ra com o co­le­ti­vo e pa­ra com o in­di­vi­dual, um dos tra­ços do par­ti­do de Jo­ão Ama­zo­nas. A prin­ci­pal in­ten­ção era evi­den­te: evi­tar que a guer­ri­lhei­ra, com o fi­lho na bar­ri­ga, so­fres­se as vi­cis­si­tu­des da sel­va e o pe­ri­go cons­tan­te de ata­que das for­ças ini­mi­gas, com a ca­pa­ci­da­de de des­lo­ca­men­to re­du­zi­da.
No en­tan­to, in­fe­liz­men­te, o PCdoB não pô­de (nem po­de­ria, cla­ro) im­pe­dir que, até os oi­to mes­es de gra­vi­dez, fos­se bar­ba­ra­men­te tor­tu­ra­da em de­pen­dên­cias do Exér­ci­to, on­de Jo­ão Car­los nas­ceu. Na épo­ca, Isau­ra Le­mos não era do PCdoB. O ma­ri­do de­la per­ten­cia a uma or­ga­ni­za­ção sur­gi­da de­pois do apa­re­ci­men­to das co­mu­ni­da­des ecle­sia­is de ba­se, da "Igre­ja pro­gres­sis­ta": a Ação Po­pu­lar, que an­tes se cha­ma­va Ju­ven­tu­de Uni­ver­si­tá­ria Ca­tó­li­ca (JUC). A AP nun­ca apoi­ou a lu­ta ar­ma­da ou qual­quer mo­vi­men­to de re­sis­tên­cia que fos­se obri­ga­do a re­cor­rer às ar­mas, co­mo a Guer­ri­lha do Ara­gu­aia. A AP ado­tou, du­ran­te o re­gi­me mi­li­tar, tá­ti­ca ques­ti­o­ná­vel, a do "fin­gir-se de mor­to".
Ora, o PCdoB co­me­çou a pre­pa­rar a re­sis­tên­cia no cam­po a par­tir de 1966, os com­ba­tes ti­ve­ram iní­cio em 1972, no sul do Pa­rá e no nor­te de Go­i­ás, ho­je To­can­tins (a fa­mo­sa "ple­na ma­ta ama­zô­ni­ca"), e em 1974 a guer­ri­lha es­ta­va li­qui­da­da. Foi a mai­or ope­ra­ção mi­li­tar do Exér­ci­to bra­si­lei­ro. A par­tir de 1972, os guer­ri­lhei­ros fi­ca­ram sob cer­co im­pla­cá­vel. Em fins des­se mes­mo ano, quan­do não se po­dia nem pen­sar em qual­quer en­vio de mi­li­tan­tes pa­ra a área, ti­ve­ram iní­cio as ne­go­ci­a­ções pa­ra a in­cor­po­ra­ção da AP ao PCdoB.
Eu­ler Ivo, por­tan­to, só po­de ter ade­ri­do ao PCdoB en­tre 1973 e 1979, ano em que o co­nhe­ci. E só em 1979 o par­ti­do de Jo­ão Ama­zo­nas di­vul­gou o no­me ver­da­dei­ro dos guer­ri­lhei­ros de­sa­pa­re­ci­dos, com fo­tos es­tam­pa­das em car­taz do mo­vi­men­to pe­la Anis­tia. Lá no car­taz tam­bém es­ta­va He­le­ni­ra Re­sen­de, a su­pos­ta ho­me­na­ge­a­da com o no­me da ho­je can­di­da­ta a ve­re­a­dor. Nun­ca vi a cer­ti­dão de nas­ci­men­to de Ta­ti­a­na Le­mos. Ela po­de di­zer que nas­ceu em "ple­na ma­ta ama­zô­ni­ca" e, pa­ra ven­cer o ce­ti­cis­mo de al­gum his­to­ri­a­dor me­ti­do a me­ti­cu­lo­so quan­to a da­tas, afir­mar ter en­tre 34 e 42 anos de ida­de. Be­bê gra­u­di­nho de­mais pa­ra uma guer­ri­lha de quin­tal.
Bela sacada do jornal OPÇÃO. Quem será que ira acionar o PROCON? Afinal propaganda enganosa não é crime???? É não é? Fala, porra!

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