MATEMÁTICA MALUCA
Historinha do bebê guerrilheiro
A candidata à vereadora Tatiana Lemos, de 28 anos, não pode ter nascido "em plena selva amazônica", como diz na campanha. No ano de seu nascimento, Isaura Lemos era demitida em São Paulo, e a guerrilha, que seus pais não participaram, já havia acabado. 1979 foi o ano da anistia HAMILTON CARVALHO - Especial para o Jornal Opção
Certa vez, por jogada genial dos pais, empresária do ramo de bijuterias "de luxe" foi lançada candidata a vereadora em Goiânia. Como não tinha, depois de nascida, currículo consistente para apresentar aos eleitores, descobriu-se para ela uma trajetória de luta na barriga da mãe: nasceu "em plena mata amazônica" quando os pais, bravos combatentes assim meio que André Grabois e Criméia Schmidt [da Guerrilha do Araguaia], organizavam núcleos guerrilheiros contra o regime militar.
O que não foi dito — pelo menos não foi dito com clareza — é se a menina, bem ao jeito de Macunaíma, saltou do ventre materno já fazendo estripulias pela mata. Como ficção, isso cai bem. O autor poderia fazer qualquer coisa no estilo do portuga Zé Saramago ("Jangada de Pedra") ou mesmo no do brasileiro Campos de Carvalho ("A Lua Vem da Ásia"): poderia transportar os vastos seringais, não das cercanias do Amazonas, como diz a canção, mas da "plena mata amazônica", para aquela região que fica entre Jundiaí e Campinas, no Estado de São Paulo.
Quanto à data, também pouco importa: a Guerrilha do Araguaia, dirigida pela pacífica e igrejeira Ação Popular, bem que poderia ter sido (aqui é preciso cuidado e abundância de verbos), bem que poderia ter sido preparada a partir de 1979 e não a partir de 1966, embora alguém pudesse considerar luta armada em 1979 uma coisa de louco, rebelião de hospício — ainda por cima "em plena mata amazônica" e no ano da Anistia.
E não há relevância, do ponto de vista ficcional, se a AP já não existisse em 1979 e se a guerrilha tivesse sido dirigida pelo partido de João Amazonas, aquele partido reorganizado em 18 de fevereiro de 1962.
Mas. Respeito e memória — Perto de quatro anos atrás enviei mensagem ao portal Vermelho, do PCdoB, chamando atenção para documento divulgado em site da Assembléia Legislativa de Goiás no qual a deputada Isaura Lemos (PDT) afirma que, juntamente com o marido, participara da organização de núcleos guerrilheiros na Amazônia. (Agora, entra um bebê na história...)
Enorme falta de respeito para com a memória dos valorosos combatentes que morreram na selva, lutando com desprendimento, no anonimato, identificando-se com nomes frios, sem esperar recompensa que não fosse a vitória da causa que abraçaram. Pedi ao Vermelho que não publicasse a mensagem, pois era, na verdade, uma tentativa que eu fazia para entrar em contato com a direção nacional do PCdoB.
Havia, na época, comentários de que o partido estaria preparando "a volta" de Euler Ivo e Isaura (talvez ao som da voz de Nélson Gonçalves?). Coisa muito estranha, depois do estrago que o casal fez aqui, política e ideologicamente.
Em 2006, o próprio Euler me garantiria (sem que eu perguntasse) que "a direção nacional" vinha insistindo para que ele voltasse ao partido. Não obtive confirmação do fato. Portanto, voltando aos núcleos da Isaura, a historinha do bebê guerrilheiro deixa de ser ficção: é mentira mesmo.
O que me espanta é que ninguém se lembrou de usar um pouquinho de aritmética a propósito do conteúdo da campanha eleitoral da candidata Tatiana Lemos, campanha veiculada, de forma enganosa, pela televisão e pelo rádio.
Vi, mexendo na internet, que Helenira Tatiana Lemos Vieira tem 28 anos de idade. Se é assim, ela só pode ter nascido em 1980 ou fins de 1979. A própria mãe, no site da Assembléia acima citado ou em outro lugar para onde o Google me levou, diz que em 1979, no interior de São Paulo, foi demitida de determinado emprego "mesmo grávida". Grávida de quem? Só pode ter sido de Tatiana.
A deputada Isaura declara ainda que veio para Goiás "logo após" o nascimento da segunda filha, Maíra, hoje com 26 anos. Isto, pelo menos, é verdade, mas só é verdade quando se diz que, nessa época, após o nascimento de Maíra, Isaura veio para morar em Goiânia. Ela tinha vindo antes, visitar Euler, que estava aqui havia já algum tempo, hospedado na casa dos pais e fazendo distribuir o número zero da "Tribuna da Luta Operária", sem, no entanto, expor-se publicamente. (O primeiro "tribuneiro" de Goiás foi uma garota de 17 anos chamada Ester.) João Carlos Schmidt Grabois tem 35 anos. Ele não nasceu na selva amazônica. O PCdoB, em operação complexa e de alto risco, providenciou para que Criméia fosse retirada da área conflagrada. Foi decisão de responsabilidade para com o coletivo e para com o individual, um dos traços do partido de João Amazonas. A principal intenção era evidente: evitar que a guerrilheira, com o filho na barriga, sofresse as vicissitudes da selva e o perigo constante de ataque das forças inimigas, com a capacidade de deslocamento reduzida.
No entanto, infelizmente, o PCdoB não pôde (nem poderia, claro) impedir que, até os oito meses de gravidez, fosse barbaramente torturada em dependências do Exército, onde João Carlos nasceu. Na época, Isaura Lemos não era do PCdoB. O marido dela pertencia a uma organização surgida depois do aparecimento das comunidades eclesiais de base, da "Igreja progressista": a Ação Popular, que antes se chamava Juventude Universitária Católica (JUC). A AP nunca apoiou a luta armada ou qualquer movimento de resistência que fosse obrigado a recorrer às armas, como a Guerrilha do Araguaia. A AP adotou, durante o regime militar, tática questionável, a do "fingir-se de morto".
Ora, o PCdoB começou a preparar a resistência no campo a partir de 1966, os combates tiveram início em 1972, no sul do Pará e no norte de Goiás, hoje Tocantins (a famosa "plena mata amazônica"), e em 1974 a guerrilha estava liquidada. Foi a maior operação militar do Exército brasileiro. A partir de 1972, os guerrilheiros ficaram sob cerco implacável. Em fins desse mesmo ano, quando não se podia nem pensar em qualquer envio de militantes para a área, tiveram início as negociações para a incorporação da AP ao PCdoB.
Euler Ivo, portanto, só pode ter aderido ao PCdoB entre 1973 e 1979, ano em que o conheci. E só em 1979 o partido de João Amazonas divulgou o nome verdadeiro dos guerrilheiros desaparecidos, com fotos estampadas em cartaz do movimento pela Anistia. Lá no cartaz também estava Helenira Resende, a suposta homenageada com o nome da hoje candidata a vereador. Nunca vi a certidão de nascimento de Tatiana Lemos. Ela pode dizer que nasceu em "plena mata amazônica" e, para vencer o ceticismo de algum historiador metido a meticuloso quanto a datas, afirmar ter entre 34 e 42 anos de idade. Bebê graudinho demais para uma guerrilha de quintal.
Bela sacada do jornal OPÇÃO. Quem será que ira acionar o PROCON? Afinal propaganda enganosa não é crime???? É não é? Fala, porra!
Nenhum comentário:
Postar um comentário